sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Política Perdida - A cultura nos programas eleitorais

Ora, conforme prometido, cá fica a primeira reflexão/ comparação entre planos eleitorais.
O tema escolhido foi a Cultura, por ser exactamente a área que mais me interessa.
Obviamente, que os programas não são fantásticos, porque embora todos afirmem que a cultura é muito importante, ninguém se vai preocupar muito com ela.

A minha comparação vai ser entre BE e CDS-PP.


Embora possa parecer estranho, há coisas comuns nos dois programas.
Começam por reconhecer a asfixia do ministério da cultura, o que já é um ponto interessante! (e aproveitam isso para dizer mal do executivo de Socrátes - desastroso neste campo - aspecto reconhecido pelo próprio e pelo seu ministro - o segundo da legislatura).
Em concordância estão também questões de transversalidade e interdisciplinaridade de ministérios: Cultura - Educação (para o CDS há mais que estes).

Mas, achei quase desastroso (para não dizer muito) o programa do Bloco; não que o do CDS seja brilhante, mas demonstra mais algumas preocupações a este nível.
O desastroso refere-se a uma total ausência de preocupações com a Cultura na sua versão Passado - História - Arqueologia - Património.

Então vejamos..
"A vida cultural é uma parte fundamental da democracia, e uma prioridade para o desenvolvimento, como o são a saúde ou a educação".
O Bloco parece ter medo da cultura no seu aspecto do passado. Nada no programa se refere a questões de património arquitectónico e arqueológico.
Verifica-se uma constante defesa da pluralidade, uma aversão à cultura como servidora dos ideais do estado (talvez o pânico da cultura ao serviço do fascismo - serão demónios interiores?)
São unânimes no aspecto da cultura dever chegar a toda a gente, e na necessidade de haver resposta aos vários públicos da cultura. No entanto, o bloco defende uma cultura muito mais global, acabando por passar a ideia da migração da cultura para o mundo e não tanto dentro do próprio país.
Recusa "grandes eventos" e a "subordinação da cultura ao turismo".

Em termos de infra-estruturas relacionadas com a cultura vemos o bloco referir..
Bibliotecas, museus e arquivos, que devem ser dotados de meios humanos para um melhor funcionamento.
Há também uma preocupação com o funcionamento em rede de bibliotecas e a descentralização de arquivos e museus. Neste campo, há ainda uma insistência na internacionalização.

No que concerne a questões de foro profissional..
O bloco defende um fomento da criação cultural na escola pública. Ambos os partidos defendem a ideia de que a escola é um importante factor de divulgação (CDS) e criação cultural (BE).
Quando aborda as questões profissionais o bloco torna-se infeliz - esquece inúmeras das profissões debaixo do MC (Ministério da Cultura), referindo apenas de excepção os profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual. Lamento profundamente que o bloco esqueça os outros profissionais da área. Enfim..

Outra das apostas do bloco centra-se na comunicação, novas tecnologias e migrações como factores cruciais da política cultural.
E ainda, "curriculos escolares que levem à compreensão das linguagens artísticas contemporâneas" - volto eu a lamentar que a cultura do Passado não seje vista como tal..
Há ainda a defesa das "artes de rua" e "arte pública" em sítios culturais e patrimoniais.
Confesso que me fez confusão a linguagem dalguns dos pontos do programa, mas daqui depreendo eu que devemos ter muitas feiras medievais e "palhaçadas" do género? (não que sejam coisas más, há é que ter em conta o grau científico da coisa).

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Passando então ao programa do CDS-PP..
O CDS começa por reconhecer o enorme fracasso da última legislatura, lamentando episódios menos felizes entre os dois ministros que tutelaram a pasta - Isabel Pires de Lima (uma das coisas que se lamentou muito em relação a esta ministra foi ver apenas na cultura o acordo ortográfico e a revisão gramatical) e Pinto Ribeiro. Posso ainda acrescentar que grande parte dos portugueses desconhece o nome dos ministros da cultura, será porque passam quase sempre ao lado?
Depois, o CDS refere uma "atenção tardia perante os perigos que impendem sobre o nosso património arqueológico e arquitectónico" - pelo menos, está cá a referência a este tipo de património, coisa que falhou no programa do BE.
Alguns dos lamentáveis estados de sítios já foram referidos aqui no blog.

Voltando a referir a asfixia económica no MC, com o orçamento mais baixo dos últimos tempos (à semelhança do BE), o CDS reconhece "que a cultura é um motor de crescimento económico e um sector gerador de emprego". Quanto a isto, devo concordar, infelizmente, e dado o estado de coisas, o emprego na cultura não se torna atractivo. Vejam-se as condições de trabalho em arqueologia.
"A cultura deverá sempre procurar a síntese entre herança e evolução, entre passado e futuro" (outra das críticas que fiz ao programa do bloco, ao esquecer-se do passado, esquece a herança. Houve tempos em que a cultura serviu, claramente, interesses estatais, e talvez recordar isso para algumas forças políticas não seja interessante, no entanto, é conhecendo o passado que se prepara o futuro, daí a gravidade da falha no programa eleitoral).
Assim, nessa linha, o CDS defende a preservação da herança cultural, o seu desenvolvimento, a sua reprodução, recriação e reinvenção - aqui, digo eu, que possamos inserir recriações históricas e coisas do género (também referidas no programa do BE, segundo a minha linha interpretativa).
É também defendida a afirmação cultural do país e da língua no Mundo. Claramente que se torna importante "globalizar" a nossa cultura. Ideia semelhante é defendida pelo BE, quando apela às migrações culturais. Se bem que o Bloco defende afincadamente essa internacionalização, parecendo-me às vezes em demasia, como já na altura referi.
Verificamos ainda a defesa da transversalidade entre Cultura - Educação - Economia - Negócios Estangeiros - Turismo (em maior nº de áreas que o BE).
Partilha de responsabilidades com autarquias e parcerias com privados, sendo que o Estado se assume como o garante da preservação da herança cultural.
A liberdade criativa, igualdade de oportunidades no acesso à cultura; difusão artística e internacionalização da língua e cultura portuguesas, são também responsabilidades estatais. Estes dois aspectos são também referidos pelo BE, a questão da internacionalização já aqui discutida. A liberdade criativa é muito defendida pelo Be, bem como o acesso à cultura, em que a estratégio do BE passa por estruturas itenerantes.

Aprofundado então estas ideias, o CDS defende o reajustamento das verbas destinadas à preservação do patrimónoio, símbolo do respeito pela herança cultural. Defende ainda programas específicos para as diferentes áreas patrimoniais, na presenvação, programação e dinamização do acervo arqueológico, arquivístico, arquitectónico ou paisagístico. Estado como exemplo na preservação. (Excluindo os arquivos - que o BE defende a itenerância e um nº de funcionários suficientes para as funções, nenhum dos outros aspectos é focado).

A rede de museus merece atenção por parte do CDS, que pretende a sua dinamização como tal (o BE também fala disto).
O artesanato e respectivos incentivos são também referidos. (No BE, não me recordo de ver referências a isto).
Quanto à língua portuguesa, verificamos a introdução do acordo ortográfico e o apoio ao estimulo criativo no que concerne à sua produção, bem como divulgação da mesma no estrangeiro (com especial atenção para os PALOP), para a qual se defende o incremento de protocolos com universidades e institutos. Esta questão da LP não me parece uma preocupação do BE, no entanto, é defendido o estimulo criativo, onde isto se poderá inserir.
Referência também para o estatuto especial, que deve ser conferido aos teatros nacionais, orquestra nacional e companhia nacional de bailado, em vários aspectos. O BE também se refere ao carácter especial de alguns dos organismos, os teatros nacionais.

Quanto à transversalidade entre ministérios e sectores..
O CDS defende que deve ser mantida nos sectores já referidos, devendo articular-se através de objectivos bem definidos. É neste contexto que vemos o CDS defender "currículos escolares e actividades extra-curriculares que valorizem efectivamente a formação artística dos jovens". Este parâmetro assemelhasse aquele em que o BE defende uma articulação entre educação e cultura, tendo em vista o fomento da criação cultural nas escolas.
A aposta no turismo cultural é vista como factor de desenvolvimento interno e internacionalização. O BE defende a sua dinamização, em particular nas cidades de média dimensão.
Neste campo verifica-se ainda a defesa do fomento de actividades profissionais e áreas como o design, a arquitectura e o paisagismo.
O estatuto dos profissionais de artes e espectáculos, com as respectivas especificidades é também defendido. O BE nesta área acrescenta os técnicos de audiovisual. A minha crítica aqui é conjunta, é que em termos de estatutos profissionais apenas são referidos estes.. Mas a carreira de arqueólogo continua sem regulamentação.

Reconhece-se ainda a necessidade de envolver a comunidade (públicos e privados) nas actividades culturais, partilhando direitos e deveres. Deve incrementar-se o papel das autarquias, e proceder a alterações na lei do mecenato - para que este não substitua o financiamento estatal, tornando-o apelativo e alargando o nº de beneficiários.
O Estado deve ainda funcionar como articulador "para que espaços culturais e cine-teatros municipais tenham programação, preferencialmente em rede, constante e de qualidade". Ligeiramente comum ao que o BE defende "funcionamento em rede de equipamentos culturais nacionais, regionais e concelhios".

A liberdade criativa e a difusão artística devem ser protegidas. Evitando portanto aquela história da cultura ao serviço do Estado (tipicamente dos regimes fascistas). O estimulo deve viver-se em todas as áreas - património, artes contemporâneas, performativas, cinema ... O BE defende também uma ideia nesta área (ver acima).
O CDS defende ainda que a existência de diferentes públicos, mais restritos ou mais alargados, deve merecer diferentes tipos de intervenções, evitando uma cultura fechada e elitista.
A defesa da igualdade de oportunidades é também focada, com a inclusão de disciplinas culturais nos programas escolares (que me parece de extrema importância!), através da interacção entre escolas e espaços culturais.

Para difusão da cultura deve ser feita com recurso às novas tecnologias, com visitas virtuais. A questão das novas tecnologias surge bastante no programa do BE - "Dissiminação nas instituições e organizações culturais públicas de instrumentos de acesso às novas tecnologias da informação" e também no aspecto da disponibilização online dos conteúdos da biblioteca nacional (algo que eu julgo já estar em curso).

Integram ainda o programa eleitoral do CDS aspectos como o Plano Nacional de Leitura (para continuar) e o alargamento da rede de bibliotecas. O BE também destaca este aspecto da rede de bibliotecas defendendo a sua conclusão durante a próxima legislatura, bem como uma biblioteca por concelho.
Finalmente, a questão da divulgação da LP, nos países lusofunos, como meio de disseminação do livro e audiovisual, tendo em vista o fortalecimento de uma herança comum.

1 -É possível haver algumas repetições ao longo deste pequeno texto, se tal acontecer, as minhas desculpas.
2 - O texto foi escrito com base nos programas eleitorais dos dois partidos, no sector que concerne à cultura. Os mesmos podem ser consultados nos sites dos mesmos. BE CDS.
3 - Se não quiserem perder tempo a ler tamanhas coisas, dediquem pelo menos algum tempo ao sector "O Bloco de Esquerda defende" e "Caderno de Encargos", respectivamente.
4- A maior parte das falhas que me "irritaram" nos programas foram já referidas, se vier a detectar mais alguma, farei comentário posterior.
5 - Este texto não refere TODAS as propostas culturais dos partidos.
6 - Devo ainda dizer que não sou filiada em nenhum partido, portanto este texto, bem como nenhum outro, se trata de campanha partidária. O objectivo é apenas esclarecer os curiosos nesta temática.
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4 comentários:

Jorge Rodrigues disse...

Extraordinário resumo sobre a Cultura (apesar de achar que se nota um pouco a tua antipatia para com as propostas do BE...). Não teria dito melhor cara Sara. Teremos jornalista a caminho?

Agora sinceramente gostava que depois de analisares a cultura em cada um dos programas eleitorais que passasses para a Economia, Educação e Saúde, que são os temas-chave, bem como a Segurança Social. Se quiseres forneço-te a minha ajuda. Mas acho que era importante debater.


Só para dizer que hoje tivemos mais um debate, Louçã-Ferreira Leite.

Muito simplesmente, óbvio que discordam em muitas coisas, até demasiadas se considerarmos que de facto este PSD é MUITO conservador, muito próximo das políticas do CDS nesse aspecto.

De qualquer forma, a boa argumentação e a objectividade do Dr. Francisco Louçã permitiram que ganhasse vantagem frente à Dr.ª Manuela Ferreira Leite que se mostrou diversas vezes intimidada, outras confusa, outras basicamente desconcertada. Mas ganhou claramente pontos quando Louçã apontou a vaguidão do programa do PSD e ela muito simplesmente diz que o que está no programa é o que ela quer cumprir neste mandato e que portanto não organizou «escritos volumosos» (como o programa do BE, que quem leu pode atestar, é um verdadeiro livro!) com todos os detalhes bem pormenorizados.


A nível da Cultura, é curioso que nem nos debates tem sido assunto a debater. Pode ser que amanhã alguém se lembre de perguntar a Sócrates, contra Portas, o que teria feito de diferente no Ministério da Cultura...

Sara Almeida Silva disse...

Ahah, sim é verdade.. não consegui disfarçar as minhas reais antipatias, mas tentei ser mais moderada do que o normal quanto a isso..

Bem, eu se fosse super-herói gostava de conseguir fazer isso tudo.. Mas as aulas começam para a semana.. Daí que..
E esses são temas debatidos quase sempre nos debates, ao contrário da Cultura ou do Ensino Superior.
Daí a minha prioridade (para além do interesse nos temas).

Mais, dizer que não vi nada do debate, mas era esperado que o Louçã ganhasse alguma vantagem. Não é, claramente, o terreno de Ferreira Leite.
Eu não li o programa todo do bloco, mas o que li, tem "muita palha", o do CDS também tem alguma, mas é uma autêntica história de vida.

Hm.. e infelizmente, duvido que alguém venha a falar de cultura em debate algum.. Faz comichão, debate-se por 1% do OE, e não deve fazer um partido ganhar as eleições.
São as prioridades políticas e "televisivas" que temos.

Jorge Rodrigues disse...

Pois, é complicado eles falarem de Cultura quando TODOS os debates falam de Segurança Social e Economia. Eu já me dou por satisfeito de falarem de Saúde mas também é um serviço público que eles não podiam falhar em mencionar.

De qualquer forma, sendo que uma boa parcela da população votante é do Ensino Superior e recém-licenciados ou até pessoal do 12º Ano, não seria prudente abordarem esse tópico também? E o da Educação? Preferencialmente num debate com Ferreira Leite?

E fazer o mesmo quanto ao Ambiente com o Sócrates?

E além do mais, porque não perguntar ao Portas o que falhou enquanto Ministro da Defesa?

E Obras Públicas, ainda não vi ninguém falar sem ser do TGV e do Aeroporto. E Administração Interna? E Negócios Estrangeiros?
Só interessa Finanças, Desemprego, Segurança Social? Mais nada?

Sara Almeida Silva disse...

Hm.. obviamente, podiam era variar um pouco, já que se cruzam todos e discutir diferentes políticas.. nós só ficavamos a ganhar.. :p

A educação vi discutida em dois debates, onde teve o Socrates, com o Portas e o Jerónimo.. Agora, Ensino Superior não me parece..
A política defende o ES público, na prática, temos os privados na gestão das ditas cujas..
Daí que me vá dedicar a essa coisinha depois..

Porque não falas tu da Saúde? (Avé BE, Avé :p)

Permite-me só discordar de ti.. é que do passado político dessas pastas, o pessoal ainda se vai lembrando, o importante é discutir o futuro.
Passar um debate a ouvi "quando o sr. teve no governo isto, e aquilo", mas não se houve dizer "quando teve no governo isto, mas agora vamos corrigir e fazer aquilo".
O passado é sempre uma ponte para o futuro.
Portanto, a questão Educação - F. Leite, Ambiente - Socrates e Defesa - Portas, não sei se seria assim tão funcional. Nos nossos políticos, é rara a crítica construtiva.

Há claramente uma pouca rotatividade dos ministérios em debate.. mas enfim.. pode ser que até ao fim vejamos algumas dessas coisas debatidas..